Essa fachada lhe parece familiar? Não? E se lhe dissesse que ela está num lugar extremamente cotidiano e vivenciado por todo sandumonense? Ainda não? Pois bem, se você se considera um exímio observador e não soube a resposta, aconselho que aguce um pouco mais tal característica e exercite elevar o seu olhar.
A fotografia que lhes é exposta concerne à vista de uma das edificações mais antigas do célebre Calçadão Antônio Ladeira. No entanto, não se encontra à altura habitual de nosso olhar, faz-se necessário articular nossas vértebras cervicais para a perceber em meio ao alvoroço de informações…
Sob uma primeira análise, pode parecer um tanto estática e até desinteressante, porém, as suas nuances se realçam à luz do sol, quando as sombras revelam a diferença de perspectiva. As janelas pintadas há pouco de um tom vívido de azul apresentam um mesmo padrão: uma bandeira fixa na parte superior e duas folhas de abrir com parte envidraçada e um terço composto por veneziana.
Percebe-se ainda que os vãos que as recebem são emoldurados por um relevo em cimento – o qual, notadamente marcado por sujidades em sua face inferior.
A parede azulejada revela a ação do tempo sobre a arquitetura. Observa-se que algumas peças se desprenderam – formando pequenas lacunas – e outras estão amareladas; também é possível perceber fissuras.
Há dois modelos de azulejo, um na cor branca e outro, usado em menor escala, com motivos florais. Esse último, pela maneira estratégica que foi disposto, provoca a sensação de horizontalidade na fachada.
O telhado já não é aparente como as construções do período colonial brasileiro, e ao que tudo indica se trata de um exemplar eclético. Ainda assim, nota-se que houve um cuidado quanto à proteção da platibanda à intempéries com telhas francesas – um detalhe que muitos ignoram, mas que é de crucial relevância para prolongar a vida útil de uma edificação bem como conservá-la.
Dá para acreditar que essa singela construção possui tantos detalhes e atributos e se localiza no centro da cidade contígua aos prédios contemporâneos?!
Com certeza, através dessa breve descrição, é possível compreender o porquê a Arquitetura é considerada uma arte, porém, será que se dá o devido valor a essa arte ou ela é desmerecida em comparação aos grandes monumentos?
Fato é que aquilo que possui participação humana será sempre único e irreproduzível e à medida que se distancia do entendimento histórico e cultural de determinados bens, perde-se o vínculo e as relações afetivas estabelecidas com os tais, ignorando-se a relevância de sua perpetuação no tempo presente e fazendo com que fiquem à mercê da especulação imobiliária, da depredação e do esquecimento.
Texto: Kethelen de Souza (Graduanda em Arquitetura e Urbanismo)
Foto: Abaquar Cult